Dito e feito. As próximas semanas foram um alívio. Eu não olhava mais a Clara com segundas intenções. Pensava até que havia cometido um engano terrível!! Que abobada, eu. Clara me perguntava porque tanto ria, mas não a diria que ria de mim mesma. Que ria também aliviada.
Meu alívio durou pouco. As próximas semanas que se seguiram foram um tormento para as minhas noites. Clara aparecera no colégio totalmente mudada. Seu cabelo ondulado estava liso. Havia tirado o aparelho e estava maquiada. Seu andar estava diferente. O que acontecera? Clara se portava totalmente diferente.
Apesar de tudo, havia apenas mudado externamente, o que foi novamente um alívio e melhor ainda: uma celebração! Ela estava ainda mais bonita que nunca!
Com o passar do tempo, as pessoas começaram a se aproximar de Clara.
Clara tinha um bom coração, ouvia a todos, compreendia-os e deixou que todos fizessem amizade com ela! Eu, por outro lado, a adverti que isso tudo era interesse demais para o meu gosto e que ela não poderia sair assim fazendo amizade com todos! Estava sobmersa de raiva e ciúmes. Clara percebeu isso e não se importou com o que disse. Pelo contrário, afastou-se de mim cada dia mais, lentamente.
Até hoje ainda não sei se foi inconscientemente.
O fato é que agora ela mudara, não só externamente. Estava mais decidida, mais independente, menos envergonhada, mais sensual, mais mulher. Estava magnífica! E o problema é que não fora só eu quem percebera isso.
As pessoas caiam aos seus pés. Ela sabia disso e se aproveitava.
O que só a deixava mais poderosa e aumentava o poder que havia nela, algo de forte.
Era a maneira com que ela conquistava todos a sua volta. Isso me deixava louca.
Eu acabei me excedendo e falei o que não devia, e ela escutou o que não precisava. Foi a primeira vez que brigamos. Acho que Clara nunca havia gritado com ninguém.
Existem certas coisas que se contarmos aos outros não vamos acrescentá-los em nada, só iremos ferí-los. E isso é uma crueldade sem limites. Nem mesmo eu quis me perdoar, quem diria Clara.
Fiquei com vergonha de ir atrás dela. Desculpas pareciam insuficientes.
Quis dar o tempo a ela, o melhor remédio.
Não preciso dizer que esse tempo foi uma tortura. Foi como assistir a um filho crescer de longe.
Arrumara um namorado, o clichê popular da escola. E todos sabemos que por ironia todo guri que é popular é sempre um troxa.
Traiu-a inúmeras vezes. Fez dela pedaços.
Foi um dia em que ela chorava que a vi escorada em um canto da escola.
Corri pra lá e a socorri, instintivamente. Foi só depois que dei-me por conta da situação e fiquei receosa, mas pareceu tarde demais, ela já havia me visto.
Foi quando perguntou, me vendo hesitar, o que eu estava fazendo ali.
Falei que não suportava vê-la chorar.
Então chorou mais ainda.
Me pediu perdão e disse que eu estava certa.
Fui humilde pra dizer que eu havia errado também.
Ela parecia um anjo chorando e aquilo partia meu coração.
Sentei ao seu lado, disse que ele não era homem que a merecia.
Ela apenas me olhou, como se fosse o que precisasse ouvir. Ficou com aquele olhar fitando-me. Era um olhar de espanto, não esperava ouvir isso. Mas agora parecia esperar alguma coisa.
E então, acho que nem ela mesmo não aguentou tal silêncio e me disse baixinho para que nunca mais a deixasse.
Aquilo foi torturoso, meu peito ardeu, queimou. A garganta secou e eu chorei.
E foi assim, molhado e um tanto amargurado, nosso primeiro beijo.
Pra dizer a verdade, tenho de o descrever assim em poucos detalhes porque nem mesmo eu lembro-me como ocorrera. Mas lembro-me dos beijos seguintes, todos muito discretos às escondidas pelo colégio. O que dava o que falar.
Naquela época o preconceito foi uma parte dificultosa. Pretexto para diversas das nossas brigas tolas. Eu queria que andassemos de mãos dadas, sem medo. E ela queria que permanecessemos discretas.
Quando contamos para a mãe da Clara as coisas pioraram. Ela foi contra até seu último fio de cabelo. O que pode fazer para que impedisse, fez. As nossas brigas agravaram e Clara começou a evitar-me.
Quando aparecia na casa de Clara sua mãe falava que ela não estava em casa, porém da janela, com sua cara de rude, ela esfregava o quão era ela que realmente não queria me ver. Tais coisas foram consumindo nosso amor.
Clara voltou a ver-me diversas vezes escondida de sua mãe, mas nosso amor já não era mais o mesmo. Não fui mais atrás da Clara - não tinha mais o interesse - e com o tempo ela não voltou a procurar-me. O nosso amor já havia morrido a muito mesmo.
É preciso envolver-se em diversos amores de infância, tramóias, enredos da vida para que se entenda do que o amor é feito. E mesmo assim, formamo-nos adultos que nada sabem sobre o amar.
Se julgam sábios de tantas coisas mas que nada sabem falar com certeza sobre o amor.
Não os culpo.
Que certeza teria o amor?
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