Pensou em fugir pela janela da cama ou pela janela da escrivaninha,
calculou que coisas como essa demorariam 5, no máximo 10 minutos. Mas o
telhado era muito íngrime, tinha medo. Restava-lhe esconder-se debaixo
da cama como fizera diversas vezes e todas fora inútil. Mas ainda era
melhor agarrar-se a qualquer coisa que desse a ela a falsa sensação de
segurança do que esperar ser devorada pelo lobo.
Quis ir, mas ficou
estática fitando a porta de olhos arregalados. A porta que agora parecia
tão frágil ia cedendo cada vez mais e não ia demorar muito para que
cedesse de vez. Assimilava-se a aquela porta. Estava com tanto medo
naquele momento que cederia. Via-se romper, rachar, sucumbir cada vez
mais a cada batida. Estavam ambas agora ocas. Os cupins já haviam roído a
porta e a desgraça a havia roído.
Ajoelhou-se ao pé da cama e então
desejou estar em outro lugar, ser outro alguém, ter outra casa, outra
família, outro rosto... Desejou até mesmo ser outra 'coisa", que não
humana. Queria ser um fluído! Sabia que tais coisas como essa eram
impossíveis, mas acreditava em um milagre. TINHA que acreditar, era o
que a mantinha viva.
A porta roumpeu-se.
Desventurada criança.
Dir-se-ia um animal feroz com sede, um leão em cima de um pobre
cordeiro. Seu corpo mirrado debatendo-se por de baixo daquele corpo
bárbaro. Não poderia deixar-se fraquejar. Ações que só serviram para
cansá-la mais ainda. Gritava, mas era inútil, as mãos rudes do irmão
espremiam sua boca com tamanha força e grosseria que seus punhos
franzinos não faziam a menor diferença.
Ninguém a viria salvar.
O
desespero que envadira tão pequeno coraçãozinho acalmara-se.
Enfraquecera por fora e por dentro e o animal dera o bote. Todos
sabemos: teria acontecido mais cedo ou mais tarde.
Os minutos que se
sucederam depois foram tão repulsivos que nem a mais sórdida das
criaturas ousaria testemunhar o trágico desfecho que se seguiu.
O
rosto perplexo no chão, manchado. O batom que passara, borrado. Os
lábios de uma garotinha assustada agora eram lábios de quem engolira
toda a sujeira do mundo.
Ela mantinha os olhos bem abertos, levava
neles um "que" de aceitação. Aceitara a morte? Aceitara tudo.
Estrebuchada no chão era a perfeita imagem da desonra e da descrença.
Foi para o quarto, dormiu assim mesmo.
Dormiu tranqui-la. Dormiu suja.
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